As quartas capas de Shel Silverstein

01/02/2019

 

O escritor Mia Couto, o rapper Emicida, a cantora Fernanda Takai e o músico Hélio Ziskind: além de talentosos, o que têm em comum? Todos são leitores de um dos maiores autores da literatura infantil no mundo, o americano Shel Silverstein (1930-1999). E eles também se encontram nos textos das quartas capas das obras do autor, pai de histórias premiadas como A parte que faltaA árvore generosa Uma girafa e tanto.

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Para a professora do curso de editoração da ECA/USP, Samira Youssef, os textos de quarta capa de um livro, em especial na literatura infantojuvenil, têm funções específicas: "Há uma diferença entre o texto de quarta capa destinado a adultos e o de um livro infantojuvenil. Primeiramente, a quarta capa destinada a adultos pressupõe que fala com o leitor/comprador do livro: desse modo, faz um “marketing” temático. Já o texto destinado a crianças ou adolescentes deve brincar com o conteúdo do livro, em linguagem mais lúdica: trata-se de um “marketing” do imaginário." 

Quando o conteúdo do livro é, então, poético e irreverente, como os títulos de Shel Silverstein, os textos da quarta capa podem ser ainda mais soltos e leves. Ou como você apresentaria a um jovem leitor as histórias protagonizadas por personagens tão incomuns quanto um leão atirador, uma girafa que serve como aparador de tranqueiras, um ser circular cheio de questões existenciais ou uma árvore que ama um garoto?

No caso da primeira publicação infantil do autor, Leocádio, o leão que mandava bala, de 1963, é Emicida quem assume a quarta capa da edição de 2018. Escolhido para convidar o leitor a conhecer a história de um leão meio diferente que gostava da selva e da cidade, o rapper consegue trazer aquilo que também faz com sua música: inspirar a afirmação da própria identidade. Seja ela de um cantor de rap, de um escritor de literatura infantil ou a de um leão que não se encaixa, "No final das contas, o melhor alguém que podemos ser é o alguém que somos quando somos nós mesmos." 

Em Uma girafa e tanto, quem cuida de atrair os leitores ao jogo de enfeitar o bicho pescoçudo com um chapéu barato onde mora um rato, um terno chique, um sapato com a sola grudada de cola e tantos outros acessórios é Hélio Ziskind, conhecido no universo infantil por suas canções para sucessos televisivos da TV Cultura (Castelo Rá-Tim-Bum Cocoricó, por exemplo). Com uma escrita divertida, trata sobre o enredo da narrativa, traduzindo a própria forma do livro, que, como um conto acumulativo, “carrega consigo a alegria de brincar com as palavras num mundo onde tudo pode ser”.

A árvore generosa, que conta a história de uma árvore que dá tudo de si a um menino que brincava com ela durante a infância, ganha texto especial do moçambicano Mia Couto. Na quarta capa, o escritor recorre justamente à sua origem, raízes e tradições de Moçambique. Conta como algumas culturas de seu país percebem o envolvimento do homem com a natureza. E como, às vezes, "não há fronteira entre uma árvore e uma pessoa". Para contemplar a magnitude do livro que, em 1964, antes de ser publicado, parecia ser um título não muito promissor para as editoras, que o consideravam triste demais para ser lido por crianças e simples demais para interessar aos adultos, o escritor fala sobre o momento decisivo de ultrapassar a amizade com uma árvore e ser árvore, "quando estou no estado de árvore, sinto a Terra, o Tempo e a Vida de outra maneira”.

Já a cantora mineira, Takai, segue por linhas afetuosas ao apresentar o best-seller A parte que falta: “Shel Silverstein escreveu esta história quando eu ainda estava aprendendo a ler, e nessa época os livros dele não chegavam com facilidade ao Brasil. Podemos encontrar pequenos tesouros em cada obra sua, de traços ligeiros e palavras simples. Ritmada como uma canção, esta aqui se desenrola toda faceira diante de nossos olhos curiosos e fala sobre um ser redondo à procura de uma parte que estaria faltando. E você, já achou que falta algo em sua vida? Talvez um pedaço. Um caminho? Eis um mistério que nos acompanhará em todas as idades. Afinal, há um final?”.

O próximo livro de Shel que será lançado pela Companhia das Letrinhas, Quem quer este rinoceronte?, tenta convencer o leitor que tal mamífero pode ser um bom bichinho de estimação e mostra como é possível viver com as diferenças. E é o humorista e escritor Gregório Duvivier quem nos convida a conhecer um pouco mais a obra, a partir de texto da quarta capa: "Tão valente quanto Leocádio, tão leal quanto a árvore generosa, o Rinoceronte é o mais versátil dos personagens de Shel Silverstein. O Rinoceronte, arrisco dizer, é uma parte que falta a todos nós. Depois que li o livro, já não preciso de mais nada. Pra mim, bastava um rinoceronte".

 

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