Autor de 'Carona', Guilherme Karsten fala sobre seu Jabuti 2021 de Ilustração

26/11/2021

O Jabuti é o prêmio literário brasileiro mais importante e mais aguardado, e, em sua 63ª edição, consagrou o livro Carona, do autor catarinense Guilherme Karsten, lançado pela Companhia das Letrinhas, como o vencedor na categoria Ilustração. Em entrevista ao Blog, Guilherme contou sobre o caminho tortuoso de sua bem-sucedida trajetória como artista e se, afinal, já deu carona para alguma figura inusitada! Carona também foi eleito um dos 30 Melhores livros infantis da revista Crescer em 2021, ganhou o Selo Altamente Recomendável da FNLIJ e entrou para a lista do Clube de Leitura da ONU/ODS.

LEIA MAIS: 10 livros infantis entre os melhores do ano da 'Crescer'

Ele revelou ainda que, nas duas vezes em que foi indicado ao Jabuti, não sentia que deveria estar ali. “E agora, com o prêmio, ainda não sei se eu deveria ser o vencedor e não é falsa modéstia, não! É porque tem muita gente muito boa mesmo”, revela o autor, que passou a se dedicar integralmente aos livros para a infância somente em 2016, quando deixou o trabalho em uma empresa têxtil para ser ilustrador.

Nesse curto período de tempo, além de ser finalista do Jabuti duas vezes, recebeu o selo Cátedra Unesco em 2017 por Vó, para de fotografar! (Editora Melhoramentos), foi finalista do prêmio Nami Concours, da Coreia do Sul, e recebeu a prestigiada BIB Plaque da Bienal de Bratislava. Plea Brinque-Book, ele também ilustrou Era uma vez 20.

LEIA MAIS: 9 livros com o selo Altamente Recomendável da FNLIJ 2021

Guilherme Karsten em seu estúdio 

Sobre Sagatrissuinorana (OZé Editora), de João Luis Guimarães e Nelson Cruz, voltado a princípio para o público infantil, ter sido premiado como o Livro do Ano do Jabuti 2021, Guilherme disse, animado: “Eu acho que é incrível porque a grande crítica, a grande de mídia volta os olhos para a literatura para a infância. [...] Mostra o quanto é importante o livro ilustrado para crianças, para a escola, para os pais como mediadores e como parceiros dos filhos. E, claro, para o mercado do livro infantil, para os escritores, para os ilustradores. Mostra que não é um livrinho, mas um livrão. A literatura infantil é capaz de transformar a mente dos leitores, das crianças, dos adultos. Ela é capaz de dar esperança, de transformar socialmente. Eu acho incrível, fico muito feliz pela atenção que os autores de livros infantis têm agora. Fiquei bem contente mesmo”.

 

O que esse Jabuti representa para a sua carreira como autor e ilustrador?

Não sei te dizer especificamente o que que significa ganhar um Jabuti. Ainda estou meio aéreo em relação a isso. Parece que é um sonho que se tornou uma realidade, mas ainda parece que estou no sonho, eu estou meio acordando. Eu sempre ouvi falar do Jabuti, das pessoas ganhavam o prêmio Jabuti. Eu concorri outra vez, também como ilustração, e nessas 2 vezes em que eu concorri, não sentia que deveria estar ali. E agora, com o prêmio, ainda não sei se eu deveria ser o vencedor e não é falsa modéstia, não, é porque tem muita gente muito boa. Então, chegar nesse patamar e receber um Jabuti parece que você ganha uma porta de acesso ao panteão dos ilustradores brasileiros. Para a minha carreira é incrível, porque chama atenção de novos editores, da crítica literária, de novos leitores, então acho que é uma nova porta que se abre na minha carreira como autor e ilustrador.

Aliás, ontem à noite meu filho de 8 anos tinha uma apresentação da escola e eu falei que não ia poder participar porque ia acompanhar o Jabuti, e ele perguntou: “pai, então você vai ganhar o prêmio?”. E eu respondi que achava que não, que era bem difícil, mas que estava bem feliz de estar entre os 5 finalistas. Aí ele falou assim: “Pai, você tem que começar a pensar positivo, que você vai ganhar”. E eu pensei “é, talvez seja verdade”. E aí quando ele chegou em casa, falou: “eu não falei para você pensar positivamente?”. E foi muito legal isso. 

 

Como surgiu a ideia para o Carona? Quanto tempo você levou para fazer o livro?

O processo de criação do Carona levou talvez uns 2 ou 3 meses, acho. Essa ideia ela apareceu a partir de uma conversa com uma amiga que me falou que eu tinha que fazer um livro acumulativo porque as crianças gostam disso. E eu pensei comigo “cara, eu não vou fazer o que as pessoas me pedem, eu quero descobrir a minha história, escrever o que eu acho que é melhor e pronto. Mas aquela coisa ficou na minha cabeça em algum lugar. Aí um dia eu estava tomando banho e a história me veio inteira na cabeça e era justo um conto acumulativo. Aí só me só me restou sentar e escrever a história.

 

Como foi seu processo de criação e quais técnicas você usou?

Eu comecei a rabiscar os personagens à mão, mas, para esse livro, eu queria fazer uma técnica de sobreposição de cores, para criar outras cores. Então achei que o computador ia ser mais fácil e ter um resultado melhor. E eu gostei muito do resultado. Então, inicialmente o layout foi todo a lápis, mas depois fiz tudo no computador, que é muito mais prático. 

 

Pode contar um pouco sobre você e sua carreira? Como começou, quando soube que esse seria o seu caminho?

A minha carreira como ilustrador é um pouco tortuosa. Eu sempre gostei de desenhar, sempre, nas memórias mais antigas que tenho da infância eu lembro de estar deitado no chão, desenhando em cima de uma capa de disco, que era onde eu apoiava minhas folhas. Era meu passatempo.  

Mais tarde, quando o meu pai faleceu, eu tinha uns 15, 16 anos, eu tive que procurar emprego e consegui emprego em uma contabilidade e decidi abandonar a ilustração, joguei minha pasta de desenhos fora. E surgiu uma oportunidade de fazer um teste num estúdio de animação aqui em Blumenau, que é uma cidade pequena, mas com estúdio animação. E fiz o teste, deu certo e aí eu voltei a desenhar. Trabalhei lá por quase 10 anos. Depois eu fui para o mercado têxtil. Nessa época, eu ganhei um concurso de novos ilustradores da Livraria da Vila da Brinque-Book e ilustrei meu primeiro livro, que era do Ilan Brenman chamado Manhê (que agora está fora de catálogo).

  A partir daí eu comecei a ilustrar livros para o Ilan e para outros autores, mas a minha produção era muito devagar, porque eu trabalhava durante o dia na empresa têxtil, e meu primeiro filho tinha nascido, então eu só começava a desenhar depois que ele ia dormir. Eu trabalhava às vezes de madrugada, dormia às duas e pouco da manhã e acordava às seis pra ir pro trabalho. Então a minha produção foi muito pequena durante esses anos, de 2010 até 2016, quando eu decidi largar o emprego e viver só de ilustração, como freelancer. Nessa época eu tive muito contato com os livro. Era o dia todo lendo histórias e ilustrando, e começaram a surgir algumas ideias, até que apareceu a história do Carona

Mas eu sempre quis ser ilustrador, a vida inteira. O meu sonho era trabalhar na Disney como animador, e hoje eu nem curto tanto assim fazer animação. Mas aí esse sonho foi interrompido naquela época em que o meu pai faleceu e eu tive que procurar emprego para ajudar em casa, mas sempre quis trabalhar com arte. 

 

Pode comentar sobre o livro do ano ser um livro, a princípio, voltado ao público infantil, mas que acaba atingindo todos os públicos?

É incrível porque a grande crítica e a grande de mídia voltam os olhos para a literatura para a infância. E quando o Jabuti faz isso, dá poder para o livro para a infância, mostra o quanto é importante o livro ilustrado para crianças, para a escola, para os pais como mediadores e como parceiros dos filhos.

E, claro, para o mercado do livro infantil, para os escritores, para os ilustradores. Mostra que não é um livrinho, mas um livrão. A literatura infantil é capaz de transformar a mente dos leitores, das crianças, dos adultos. Ela é capaz de dar esperança, de transformar socialmente. Eu acho incrível, fico muito feliz pela atenção que os autores de livros infantis têm agora. Fiquei bem contente mesmo. 

Interessante também porque eu me formei em publicidade e design e sentia essa coisa de que meu trabalho, por ser para criança, parecia um trabalho menor. Até que eu pensei: meu trabalho é para criança, é o melhor público do mundo! Criar histórias para a infância te dá a maior liberdade. Quando o grande público entende isso também, é um ganho para a sociedade porque a imaginação pode nos ajudar a vencer tantas coisas. 

 

Você costumava ler contos acumulativos na infância? O que você lia? Quais são as suas grandes inspirações?

Eu não lia contos acumulativos e praticamente não lia nada. Eu não tive uma infância leitora, nunca fui estimulado a ler livros. Lá em casa a gente era muito da música e pouco dos livros. Tanto que, quando eu quando eu comecei a ilustrar, eu gostava muito da estética, sempre fui muito interessado pelo visual, pelas lustrações e pouco pelo texto. Então foi um exercício me tornar um leitor e foi um ganho incrível. 

As minhas inspirações sempre foram visuais, eu sempre olhei para os ilustradores. O Picasso sempre despertou meu interesse por arte; gosto muito da Beatrice Alemagna; adoro os livros da Planeta Tangerina (editora de Portugal), eu gosto Oliver Jeffers, do Jon Klassen. Eu aprendi com esse pessoal o tipo de ilustração que gosto. De texto, eu gosto muito, muito das histórias do Roald Dahl: A fantástica fábrica de chocolateMatilda. E gosto muito de Monty Python, dos esquetes e dos filmes non sense que eles fazem. 

Do Brasil, eu gosto muito do Moriconi, ele muito sagaz, e também do Ilan Brenman, me identifico muito com os textos dele. Eu falei muito pouco da literatura brasileira porque tive esse gap na minha formação como leitor, eu não tive contato com alguns autores brasileiros ou, se tive, na escola, não lembro. Então acabei indo atrás dessas referências só agora, adulto.  

 

Você alguma vez já pegou carona com algum desconhecido? Ou já deu carona para alguma figura inusitada?

Olha, eu acho que nunca peguei carona com nenhum desconhecido e nunca dei uma carona para alguém. Eu sou meio inseguro e prefiro ir naquilo que é garantido. 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog