Luise Weiss: “Um livro de qualidade transcende faixas etárias”

18/11/2022

Quando foi convidada para ilustrar ABC do Zoo, livro escrito por Pedro Maia Soares, no comecinho da história da Companhia das Letrinhas, em 1993, Luise Weiss adorou o tema. Como gosta de fazer, passou um bom tempo pesquisando sobre animais, o que incluiu observá-los durante idas ao zoológico. “Gosto muito do desenho de observação”, conta ela, que é artista plástica e leciona Artes e Gravuras na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para ela, um livro de qualidade não se prende a uma classificação etária, como livro infantil: pode interessar a todos os públicos. "Transcende", diz. 

“Ilustração, para mim, tem essa relação de afeto. Não consigo separar o trabalho do prazer”
(Luise Weiss, ilustradora)

Em entrevista ao Blog da Letrinhas, ela contou que é um método que ensina com frequência, inclusive para os seus alunos: observar. “Em cursos de desenho, na universidade, costumo levá-los direto para a área da biologia, aos herbários. Plantas e animais acabam estimulando o imaginário”, afirma a professora. Aqui, ela lembra um pouco desse primeiro trabalho para a Letrinhas e fala também da importância que a ilustração ganhou com o passar dos anos. 

*Para comemorar os 30 anos da Companhia das Letrinhas (em 2022) e o Mês das Crianças, durante outubro você confere uma série de entrevistas exclusivas com grandes autores e ilustradores brasileiros que fazem parte dessa história, sejam nossos primeiros parceiros, sejam aqueles que ganharam os maiores prêmios de literatura infantil. Acompanhe tudo no Blog da Letrinhas, no site criado especialmente para essa festa e nas nossas redes sociais.

Luise Weiss

Como começou a sua relação com a Companhia das Letrinhas? Como foi fazer o primeiro livro para a editora e o que mais te marcou nesse processo?

Eu tinha feito um contato inicial com a Letrinhas, quando levei para eles um material gráfico meu, com desenhos e gravuras. Nessa época, surgiu a proposta para fazer o ABC do Zoo. Foi um projeto marcante. Eu, inicialmente, queria fazer xilogravuras coloridas, mas acabei fazendo com monotipia, que é uma técnica híbrida, gravura e desenho. Mas, antes disso, teve um momento de pesquisa, de desenhar os animais, fui ao zoológico. Gosto de fazer desenhos de observação. E o mais curioso é que só fui conhecer o texto do Pedro Maia Soares depois. Mas gostei bastante de fazer, me envolvi, porque gosto muito de desenhos de animais e plantas. Quando dou curso de desenho, na universidade, levo os alunos direto para a área de biologia, para os herbários, para que eles possam fazer observação. É uma oportunidade de conhecer plantas e animais, que acabam estimulando o imaginário. 

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A Companhia das Letrinhas está completando 30 anos em 2022. Nessas três décadas, qual foi a transformação mais importante na literatura infantil, tanto em termos de texto como ilustração e produção gráfica, na sua avaliação, e por quê?

A ilustração é uma grande paixão para mim. Sempre gostei. Gosto muito do trabalho relacionado ao livro ilustrado, porque envolve um imaginário. A própria história da ilustração é interessante. Até algum tempo atrás, era considerada uma categoria inferior. Como se existissem artes maiores e as menores, que, geralmente, incluíam técnicas mais artesanais, a ilustração entre elas. Acredito que o ilustrador tem sido mais valorizado. Hoje é diferente, porque temos livros ilustrados belíssimos, muitos deles infantis - embora eu ache que um livro de qualidade transcende a idade. Nunca gostei de prender o livro a uma faixa etária específica. 

ABC do Zoo

Poderia citar três livros infantis que foram mais importantes ou marcantes para você nesses últimos 30 anos? Dos publicados pela Letrinhas, qual você citaria?

Acompanho bastante as obras do Odilon Moraes, que fez mestrado comigo na Unicamp, e o Fernando Vilela, para citar exemplos na área. Mas são muitos!

Qual acontecimento relacionado ao processo de criação e produção dos livros ou ao feedback e interação com os leitores ficou na sua memória ao longo desse tempo? Poderia contar um pouco qual história mais te marcou?

O fato de poder fazer o ABC do Zoo em si foi marcante. Ir para o zoológico, pesquisar  e ver os animais foi muito prazeroso. Tinha essa relação de afeto com o trabalho, que eu acho essencial. Quem vive exclusivamente de ilustração - o que não é o meu caso, porque sou professora - às vezes, tem nas mãos projetos que precisam ser feitos por outro motivo. Então, essa parte do afeto nem sempre vai existir com tanta força. Mas eu não consigo separar as duas coisas.  

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Como você vê/avalia a participação da Companhia das Letrinhas no mercado editorial e na própria história da produção literária para a criança? 

Acho que nesses últimos anos, vieram temas como preconceitos, a valorização de diferentes culturas e formas de expressão. Há muitas publicações, por exemplo, sobre lendas e sobre o imaginário indígena, ilustrações feitas pelos povos indígenas, existe uma possibilidade de cooperação também, de trabalhar junto, independente da questão racial. Se não for assim, a gente se fecha. 

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Além dos livros, as crianças têm várias fontes de entretenimento, como telas, vídeos, streamings, games. Como acha que a literatura infantil será nos próximos 30 anos? Qual o grande desafio que autores e leitores terão?

Eu acho que a tecnologia pode até estimular algumas questões, como a alfabetização, a leitura e até a ilustração. Uma vez, vi uma menina de 6 ou 7 anos, que fazia ilustrações com a maior desenvoltura no computador, com a prancha. Vai desenhando, apaga, muda cor… Mas há algo que me deixa muito pensativa sobre isso, que é a questão da memória. Me lembro de livros que li na infância e nunca mais esqueci, tanto do livro, quanto da ilustração e das imagens. Por quê? Porque era um material que eu podia olhar, tocar, folhear de novo. O digital vem em uma quantidade enorme e traz várias possibilidades, no entanto, talvez seja mais volátil. Para mim, ainda é muito importante o contato com o papel, o cheiro do livro, folhear o livro…

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