Philip Bunting: ‘A boa literatura tem de provocar mais perguntas que respostas’

03/03/2023

Traduzido em mais de 30 países (como Japão, França, Romênia, Índia e Coreia do Sul), autor de best-sellers aclamados pelo mercado editorial e lido até ao vivo no espaço, pela astronauta Shannon Walker, em 2021, para centenas de milhares de crianças, Philip Bunting publicou seu primeiro livro em 2017. Desde então, tem sido reconhecido mundo afora por sua articulação afetivo-criativa com o gênero de não ficção que se convencionou chamar de livro informativo. Em 2023, os leitores brasileiros ganham mais um exemplar de Bunting para colecionar, As maravilhas da água (Brinque-Book), uma narrativa gráfica e documental que circula entre os múltiplos significados culturais, sociais, políticos e espirituais desse elemento natural tão antigo quanto a vida. 

Philip Bunting, autor de livros infantis, entre eles As maravilhas da água e ÁRvores geniais

Philip Bunting já tem cinco livros publicados no Brasil, sendo o último "As maravilhas da água"

Porém, o que se sabe sobre Bunting, o homem que dá a saber tantas coisas? Como a paternidade influencia sua obra? De que forma suas paixões de menino aparecem nas histórias que ele desenha e escreve? Nesta entrevista que o artista concedeu ao Blog da Letrinhas durante um período de férias na Europa com a família, ficamos sabendo de seu interesse pela filosofia oriental, dos bastidores que originaram seus livros mais recentes, e também de um audacioso projeto de cultivar vírus domésticos com as crianças. Brincadeiras à parte, o escritor e ilustrador metade inglês, metade australiano compartilha aqui as paisagens filosóficas e sinapses artísticas que povoam sua mente de criador ininterrupto. 

 

O fascínio – e a filosofia – da água 

Inspirado em um mergulho do escritor nos ensinamentos da filosofia oriental, particularmente o taoísmo, As maravilhas da água instiga quem o lê a nunca mais olhar para a água da mesma maneira. O que uma gota de chuva, uma folha de bananeira e o suor de um corpo têm em comum? Todos são feitos de água e estão aqui por causa dela. 

Capa do livro As maravilhas da água

Em seu novo livro, Philip Bunting provoca a pensar como uma melhor compreensão da água pode criar uma relação melhor com a vida

De acordo com os estudos do livro em que Bunting se apoiou, Tao Te Ching (ou O Livro do Caminho e da Virtude), uma das mais conhecidas, e importantes e antigas obras da literatura chinesa, a água não só nos permite manter a vida, mas também metaforiza como poderia ser o comportamento real de todos os seres diante dela.

No Oriente, a água tem sido usada como uma analogia filosófica por milênios. Do meu jeito bobo, eu quis levar adiante um pouco dessa sabedoria atemporal. (Philip Bunting, escritor e ilustrador)


"Vida verdadeira é como a água:
Em silêncio se adapta ao nível inferior
Que os homens desprezam.  
Não se opõe a nada, 
Serve a tudo.
Não exige nada,
Porque sua origem é a Fonte Imortal
"

– Verso extraído do Tao Te Ching


Uma literatura movida por detalhes gigantescos

Antes mesmo de se considerar leitor, Philip Bunting já criava. Desde pequeno, ele fazia suas próprias HQs e narrativas. Hoje, já como escritor consolidado em uma trajetória relativamente curta para tamanho reconhecimento internacional, ele identifica o tripé que sustenta sua obra: o cuidado de, enquanto ser humano, tomar perspectiva sobre as coisas, a capacidade de rir delas e um constante deslumbramento pelo mundo. 

Sempre achei as libélulas muito mais interessantes do que os dragões. (Philip Bunting, escritor e ilustrador)

Desde o fenômeno Como eu cheguei aqui? (Brinque-Book, 2020), já foram cinco livros do autor editados no Brasil, uma sequência de histórias que respondem, perguntam e ficam em dúvida na mesma medida, embora muitas vezes se possa achar que livros informativos podem saber de tudo. 

LEIA MAIS: Informação & sensibilidade: livros informativos muito além dos didáticos

Em suas narrativas, quase sempre conduzidas por bichos indagadores e crianças protagonistas de sua própria curiosidade, Philip Bunting combina ciência, arte, design, filosofia e cultura da infância. Suas publicações têm sido acolhidas em um lugar cativo na prateleira dos leitores que se interessam por descobrir novos mundos dentro de um livro. 

Graças à natureza de seu público-alvo, os livros infantis podem ser livres de agenda, suposições e de todas as outras coisas que tendem a restringir o espírito de grande parte da literatura adulta (Philip Bunting, escritor e ilustrador)

Depois de passear pelos planetas, pelos biomas, pelas perguntas ontológicas e pelo corpo humano, faltava refletir sobre a origem genuína. É esse o exercício que o escritor faz As maravilhas da água, reconhecer cada leitor como parte integrante e responsável do princípio da vida.

Ilustração do livro infantil As maravilhas da água, de Philip Bunting

Confira a entrevista completa com Philip Bunting

Como foi a entrada do Philip Bunting criança no mundo dos livros? Você era um pequeno leitor?

Philip Bunting: Eu era mais um criador do que um leitor. Quando criança, eu adorava criar meus próprios livrinhos, quadrinhos e obras de arte. Eu leio muita não-ficção – qualquer coisa com tema de dinossauro – e frequentemente tento recriar livros factuais em meu próprio estilo. 

Você reconhece temas comuns em suas histórias até agora? Como você definiria a alma do seu trabalho? 

Os temas que parecem se repetir em meu trabalho são perspectiva, admiração e humor. Perspectiva: tentar entender e conhecer nosso lugar no mundo, e além. Maravilhamento: mostrar como a complexidade e o mistério de todas as coisas que ainda não sabemos (e todas as coisas que sabemos também!). Humor: porque é preciso saber rir – nos bons e nos maus momentos – e o humor está no cerne da experiência humana.

Muitos de seus livros contêm questões filosóficas (mesmo que implícitas). Questionamentos complexos, como “Quem sou eu?, Como eu cheguei aqui?" parecem estar sempre ali. Na sua opinião, a literatura move mais as perguntas ou as respostas?

A boa literatura – como acontece com qualquer arte que valha a pena – tem de provocar mais perguntas do que respostas. Quando a literatura procura responder a perguntas, na melhor das hipóteses, você acaba na seção de autoajuda e, na pior, termina em O Segredo (haha, sem desculpas a Rhonda Byrne).

A relação com os livros informativos foi algo consciente no início da sua trajetória como autor? Como foi seu aprofundamento nesse gênero?

Não acho que pretendo criar livros de não ficção especificamente, mas acho que há admiração, surpresa e fascínio suficientes no mundo real. Sempre achei as libélulas muito mais interessantes do que os dragões.

A literatura infantil tem passado por mudanças na última década, em relação à recepção do leitor, quando muitos adultos se permitem desfrutar de livros ilustrados e publicações feitas originalmente para crianças. Você percebe esse movimento em relação aos seus livros? Os adultos leem suas histórias?

Tenho três filhos pequenos (9, 7 e 5 anos). Os livros aos quais voltamos em família sempre foram aqueles que ressoam em mim ou em minha esposa [Laura Bunting]. Então, sim, tento manter isso em mente ao criar livros ilustrados. 

Na maioria das vezes, serão os pais/avós/professores lendo os livros para as crianças, então tento garantir que meu trabalho atraia tanto os adultos quanto as crianças. (Philip Bunting, escritor e ilustrador)

A maioria do feedback sobre meus livros é de adultos. Eu concordo sim que houve uma maior aceitação de adultos se envolvendo com livros ilustrados nos últimos anos.

Para você, como autor, o que diferencia um livro chamado “infantil” de um “adulto”? O que você acha dessa diferenciação?

Para mim, a literatura infantil é muito menos carregada de suposições e normas aprendidas do que a literatura adulta. Graças à natureza de seu público-alvo, os livros infantis podem ser livres de agenda, suposições e todas as outras coisas que tendem a restringir o espírito de grande parte da literatura adulta.

Quanto às crianças, como tem sido a sua relação com os pequenos leitores? Eles te procuram para dizer o que pensam, você os procura para criar novas histórias?

Tenho três filhos pequenos e, portanto, toda a nossa vida é uma espécie de “placa de Petri” [um pequeno recipiente plástico que os biólogos utilizam para o cultivo de céculas de bactérias, fungos e musgos] para novas ideias (e, nesse caso, também do vírus do resfriado, claro!). 

Nossos filhos adoram ler, e muitos dos assuntos que eu me propus a explorar em meu trabalho são inspirados nas perguntas que eles me fizeram. (Philip Bunting, escritor e ilustrador)

Como surgiu o desejo de escrever As maravilhas da água? Como e por que o tema da água atravessa sua experiência?

O livro foi originalmente inspirado (ou, pelo menos, motivado a existir) por meus estudos da filosofia oriental, especialmente o Tao Te Ching. A água tem sido usada como uma analogia filosófica por milênios no Oriente. Do meu jeito bobo, eu quis levar adiante um pouco dessa sabedoria atemporal.

Este livro tem muitas semelhanças com o seu Árvores geniais (Brinque-Book, 2022). Como articulou essa sequência?

Sim, As maravilhas da água deliberadamente segue em uma série de The gentle genius of trees (Árvores geniais) e The wonderful wisdom of ants ["A maravilhosa sabedoria das formigas", Editora Omnibus Books, 2020 – sem tradução no Brasil]. Minha intenção para esses três títulos de não-ficção era conectar os fatos com o leitor de uma forma mais pessoal do que a maioria das obras de não-ficção. Espero que as analogias antropomórficas feitas no final dos três livros permitam que os assuntos ressoem mais profundamente com o leitor.

A literatura infantil tem passado cada vez mais por temas de importância social, como preservação do meio ambiente, crise climática, guerras. Na sua opinião, qual é o papel da arte nessas discussões contemporâneas? Ou, melhor dizendo, a arte precisa ter uma função?

A arte não precisa de uma função. Acho que a arte é simplesmente um produto da condição humana, é o que fazemos. NA MINHA HUMILDE OPINIÃO.

Além disso, não acho que a literatura infantil deva tentar resolver os problemas do mundo. Em vez disso, a função mais positiva que pode desempenhar é motivar e inspirar as crianças a quererem aprender.

Livros ilustrados podem motivar o amor pelo aprendizado na próxima geração. Que presente melhor podemos oferecer aos nossos filhos do que um amor duradouro pelo aprendizado? (Philip Bunting, escritor e ilustrador) 

Como leitor, no que você está mais interessado no momento? O que você está lendo, pesquisando, descobrindo que move sua criação?

No momento, estou lendo sobre algumas das coisas que ainda não sabemos. Perguntas como: “O que é consciência?”, “Existe vida em outro lugar do universo?”, “Por que sonhamos?”, “Por que estamos aqui?", "O que aconteceu antes do Big Bang?", Será que algum dia curaremos os soluços?" e outras questões tão emocionantes para um novo livro de não ficção.

E por fim, que história você ainda não fez, mas gostaria? 

Eu gostaria de fazer mais com a filosofia – explorando como as pessoas ao redor do mundo pensam de forma diferente sobre os mesmos tópicos. Todos nós vemos o mundo através de nossos próprios filtros pessoais, sociais e culturais, mas por que? Seria uma alegria trabalhar nisso.

 

(Texto de Renata Penzani)

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog