Volta às aulas: como amenizar a ansiedade e tornar a (re)adaptação mais tranquila

24/01/2024

Para a maioria das crianças, a escola é a porta de entrada para o mundo além da própria casa. É ali que elas conhecem novos jeitos de ser e pensar, fazem novos amigos, criam novas referências. Tudo isso é muito empolgante e fascinante. Mas, também pode ser muito assustador - especialmente para os menorzinhos.

Ilustração do livro Nem sonhando, de Beatrice Alemagna


Quando seu mundo inteiro se limita à sua casa, à proteção dos seus cuidadores já conhecidos, à rotina costumeira, romper a bolha pode ser uma experiência desafiadora.

Será que as coisas ficariam mais fáceis se a criança pudesse levar os pais para a escola junto com ela? Foi o que pensou, por alguns instantes, a pequena morceguinha Catarina, a protagonista de Nem sonhando (Companhia das Letrinhas, 2024), de Beatrice Alemagna . Ela estava relutante em seu primeiro dia de aula - assim como muitos de seus colegas. Seus pais tentaram argumentar e, no meio da discussão, acabaram ficando bem pequeninos - o que ela não achou de todo ruim. Desse tamanho, ninguém notaria se ela os colocasse debaixo de suas asas, afinal. Porém, não demorou muito para bater um arrependimento… 

Capa de Nem sonhando, de Beatrice Alemagna

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Os adultos também sofrem na volta às aulas - e faz parte!

Raramente o processo de separação, que faz parte da entrada da criança na escola, acontece sem percalços. É uma transição importante e difícil, que merece atenção e cuidado, para garantir a segurança emocional da criança - e a dos pais, que, muitas vezes, também se sentem ansiosos ao deixar o filho longe de seus olhos pela primeira vez. “A angústia da separação não é só uma experiência emocional infantil”, afirma a psicóloga Gabriela Malzyner, coordenadora do Núcleo de Infância e Adolescência do Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP-SP). “Para alguns pais, pode ser muito difícil. E é muito importante que eles tomem consciência dessa dificuldade, para não projetá-la na criança”, explica. 

Para minimizar esse sentimento, é preciso, primeiro, confiar na instituição e nas pessoas que vão acolher a criança. Por isso, a escolha da escola deve ser feita com todo o cuidado, buscando sintonia com os valores da família e com o que já acontece em casa. Nessa busca, é preciso entender como funciona o processo de adaptação em cada escola - se os pais podem entrar, se no início o horário é reduzido, qual é a conduta se a criança começar a chorar. Além disso, é importante estar alinhado com o/a parceiro (a), trocar experiências com amigos que passaram ou estão passando pela mesma situação, se fortalecer, tirando dúvidas e trabalhando os próprios desconfortos.

Para a especialista, sentir receio e ansiedade quando um filho está prestes a entrar na escola é legítimo. E falar sobre isso pode ser um passo essencial para resolver a questão. Só quando o adulto está bem é que ele consegue se tornar um suporte para a criança, ajudando-a também a passar pelo processo. Depois que os pais já conseguiram absorver - ou pelo menos se acostumar com - a ideia, é hora de estender a mão para os pequenos, tentando ajudá-los a compreender e navegar pelas próprias sensações, medos e emoções.

Para a pedagoga e educadora parental Maya Eigenmann, cada criança é única e, por isso, não há uma 'receita de bolo' que ensine a melhor maneira de abordar o assunto. Depende de muitos fatores, como a faixa etária, a personalidade e as experiências vividas por cada uma. “É de se esperar que crianças que nunca estiveram no ambiente escolar estranhem o primeiro contato”, aponta. Principalmente porque, segundo ela, há uma certa tendência de que se apeguem a poucas pessoas, que, geralmente, são aquelas mais presentes no dia a dia. “O fato de, de repente, estar em lugar diferente, com várias crianças e adultos desconhecidos, é extremamente desregulador”, define. 

“Os adultos precisam ter um grande cuidado para não projetar as próprias expectativas e uma certa pressão na criança, como: ‘Ele (a) tem que gostar e vai ter que dar certo’. Mesmo quando acham que não demonstram, quando o adulto tem a expectativa de que a criança tem que entrar na escola feliz, as atitudes vão refletir esse pensamento”, diz ela.  A conexão, reforça Mata, é a principal maneira de entender do que o seu filho precisa para, então, desenvolver uma estratégia eficaz para apoiá-lo.

A volta às aulas pode ser uma transição desafiadora. Por isso, o ideal seria que o pai ou a mãe pudessem permanecer na escola pela quantidade de dias necessários até que a criança consiga confiar em outro adulto – no caso, a professora ou auxiliar na sala de aula. “É como se fosse uma transição no tempo da criança, mas esta, infelizmente, não é a realidade da maioria das famílias. Muitas não têm como deixar de trabalhar”, reconhece. Para a educadora, os processos escolares ainda são extremamente centrados nos adultos e não nas crianças, como deveriam ser. “Nesse caso, o que essas famílias podem fazer é entender que a criança vai sair da escola e talvez demonstre comportamentos desafiadores, como mais birras, mais agressividade. São sentimentos indigestos, que vêm à superfície justamente pela insegurança que essa transição gera. O que quero dizer é quando não se tem como preparar a criança para estar em sala de aula, de ficar ali até ela se sentir segura o suficiente para ficar na escola sem o pai e a mãe, os adultos precisam se preparar emocionalmente para como essa criança vai reagir à transição súbita e a maneira como ela vai lidar com isso. O adulto precisa acolher a criança”, orienta. 

Ilustração de Nem sonhando, de Beatrice Alemagna

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Re-adaptação: começar de novo na escola

Quando a criança já foi para a escola, mas se prepara para recomeçar o ano, ao voltar das férias, é como se a transição acontecesse novamente. Pode ser por conta de uma nova turma, de uma nova fase, de novos colegas, de novos professores e a própria mudança na rotina. Até os adultos experimentam certa angústia com o fim das férias, do período de relaxamento, do descompromisso com os horários e com a rotina... O mesmo acontece com as crianças, ainda que de uma forma diferente. 

Segundo a psicóloga Gabriela, o ideal é preparar os pequenoas gradualmente para esse retorno. “As expectativas fazem parte dos processos da vida; a dimensão e o tamanho disso dentro da gente é que precisa ser olhado e cuidado para que não se torne sofrimento”, diz ela.

 Uma maneira de preparar o terreno é conversar sobre as novidades, reforçando sempre o que a criança já viveu, os desafios que ela já teve e que conseguiu superar, para lembrá-la de sua capacidade e da sensação boa de enfrentar nossos anseios. “É algo que vai fortalecendo-a para a nova etapa que se apresenta”, destaca. Outra boa estratégia é lembrar sobre as suas experiências na escola, quando você ia, como se sentia, os amigos que não sabia que faria e que levou para a vida.

Ao longo da vida, outras transições também podem acontecer e levar à ansiedade. O principal, para os pais, é tentar se conectar com os filhos e proporcionar o máximo de acolhimento possível. ”A criança vai sentir de tudo: felicidade, medo e tristeza. Se eu puder dar colo, permitir que ela sinta tudo e permanecer sendo uma constante vida dela, isso vai ser fundamental. É o mais importante que podemos oferecer”, diz Maya. 

Na prática: os pequenos ajustes necessários para a volta à escola


Começar a se preparar, na rotina, para o início da escola ou para a volta às aulas, também pode ajudar os pequenos a se adaptarem melhor. O tempo de antecedência depende da criança. Algumas ficam ainda mais ansiosas se são alertadas muito antes do tempo sobre o início das aulas. Outras, ficam mais tranquilas por terem um período maior para se acostumarem à ideia. É preciso entender o perfil do seu filho e saber a melhor forma de gerenciar as informações. 

Ilustração de Nem sonhando, de BEatrice Alemagna

De qualquer maneira, lembra Maya, algum tempo de preparo vai ser necessário, até para que o corpo se habitue às mudanças - talvez uma criança precise de duas semanas, e outra precise de uma semana.“É preciso conhecer os ritmos biológicos do seu filho para saber quantos dias ele leva para se adaptar a uma nova rotina. Mas deve ser algo gradativo. Então, se ele estava dormindo às 22h, mas precisa voltar a dormir às 20h, o ideal é ir diminuindo aos poucos e não de um dia para o outro”, sugere Maya. 

Os preparativos dos materiais escolares e dos uniformes também podem ser empolgantes e ajudar os pequenos a entrarem no clima, dependendo da idade. Os maiores costumam gostar de participar das escolhas e da organização. Para que seja um momento prazeroso, sem tanto estresse - nem para os adultos, nem para os pequenos - separe um tempo maior para se dedicar a essas tarefas. 

“Preparar o material, organizar o uniforme e pensar a rotina do novo semestre são formas de ir contendo as ansiedades, as expectativas, as fantasias, as angústias, os medos, as alegrias”, diz a psicóloga Gabriela. “É uma forma de ir ritualizando essas experiências vividas e compartilhadas no tempo e espaço”, resume.

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