Paródia: "uma versão humorística da ideia de outra pessoa"

17/04/2024


Em O Clube do Pepezinho - colaborações (Companhia das Letrinhas, 2023), de Dav Pilkey, o gato Pepezinho sugere que os sapinhos Beto e Gilberto transformem o quadrinho que criaram em uma paródia. Acontece que os dois “inventaram” um monstro que é a cópia de um famoso personagem: o Godzilla. Então, em vez de insistir no plágio, Pepezinho sugere que os dois transformem a história em uma paródia, que como ele mesmo explica é: “uma versão humorística da ideia de outra pessoa”.

Ilustração de O clube do Pepezinho Colaborações

Pepezinho e os sapinhos em O clube do Pepezinho - Colaborações

Segundo a especialista em Língua Portuguesa e mestre em Estudos do Texto e do Discurso pela  pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Camila de Oliveira Groppo Lourenço Lima, podemos encontrar diferentes definições de paródia, que variam de acordo com os conceitos teóricos adotados. “Em síntese, a partir da perspectiva semiolinguística de análise do discurso, podemos dizer que paródias são textos essencialmente humorísticos nos quais o efeito de humor tem sua origem na coexistência de dois textos: o original, que permanece como referência, e o paródico, que, por meio de um movimento de imitação e de transformação, questiona e debocha do anterior.”

No caso da literatura, os contos de fadas também são motivos frequentes de paródias na literatura. Como as obras da Coleção Canoa, escritas por Janaina Tokitaka e ilustrados por Flávia Borges.  Bela, a fera, e Fernão, o belo (Companhia das Letrinhas, 2023), Cinderela e o baile dela (Companhia das Letrinhas, 2023),  O pedido da fada madrinha (Companhia das Letrinhas, 2023) e O pequeno sereio (Companhia das Letrinhas, 2023) trazem elementos pouco vistos nos contos de fadas, como princesas que não gostam muito de frufru, uma Cinderela que resolve tocar o próprio baile, uma fada madrinha cansada de resolver os problemas de todo mundo sem descanso e um sereio tímido. Além de terem o humor como elemento, os livros ajudam a desconstruir padrões que antes eram pouco questionados, oferecendo caminhos alternativos para as histórias e personagens com os quais os pequenos leitores possam se identificar ao longo da leitura.

Paródia: as origens e os desdobramentos

Ilustração de O clube do Pepezinho - Colaborações

A paródia tem cara de figura de linguagem moderninha, principalmente por sua forte presença nos meios digitais - Youtubers fazem paródias de clipes, filmes e propagandas, e muitas das obras que circulam online acabam se tornando memes por seu caráter humorístico. Mas a verdade é que a paródia é bem mais antiga do que parece. Suas origens remontam à Antiguidade Clássica, e o primeiro uso do termo paródia de que se tem registro é na Poética de Aristóteles. Tendo como significado etimológico “canto paralelo”, na Grécia Antiga, a paródia aparecia no teatro como forma de ironizar temáticas sociais e políticas da época, sendo bastante utilizada por dramaturgos como Aristófanes. Ao longo do tempo, a paródia foi conquistando espaço em outras manifestações artísticas, como no cinema, na música e até mesmo nas artes plásticas. 

No que diz respeito à literatura, a paródia frequentemente é citada como um exemplo de intertextualidade, conceito referente ao diálogo estabelecido entre diferentes textos - ou seja, a maneira como as obras conversam entre si, fazendo referências uma à outra e, assim, estabelecendo conexões. Muitas vezes, esse diálogo que a intertextualidade propõe não está explícito na estrutura do texto; por isso, a produção de sentido depende diretamente do leitor. Nesse caso, cabe a ele precisa mobilizar conhecimentos prévios para que o texto adquira o significado pretendido. 

O papel da paródia no desenvolvimento do pensamento crítico e da criatividade

Como a paródia depende diretamente de uma obra original para existir, ela é muitas vezes vista como um gênero literário de menor importância - ou de segunda categoria - como uma simples imitação cômica. Esse pensamento acaba subestimando o potencial que as paródias têm de trazer novos pontos de vista, promover reflexões sobre diversos assuntos e, especialmente, criar novas camadas de significado.

Sendo a literatura um sistema que influencia a sociedade ao mesmo tempo em que é influenciada por ela, é esperado que as histórias incorporem formas de pensar e valores propagados historicamente. Só que, conforme as sociedades evoluem, se sobressai a necessidade de rever esses valores e questionar como lidamos, coletivamente, com determinados temas. Dessa forma, as paródias surgem como obras que, por meio da subversão, trazem novas perspectivas e instigam o leitor a pensar criticamente. Em relação a esse aspecto, Camila ressalta o papel de tipo de texto em relação aos contos de fadas: “muitas paródias propõem, indiretamente, uma reflexão a respeito de alguns aspectos da sociedade, como, por exemplo, comportamentos e hábitos considerados constituintes do universo feminino, como vemos em muitas paródias de contos de fadas que ressignificam a figura da mulher. Por meio desse exemplo, é possível compreender como muitas paródias, sobretudo as que têm, como público-alvo, crianças, são responsáveis por fomentar uma visão crítica a respeito da realidade que nos circunda", explica.

Para Camila, que também é professora, a capacidade das paródias de promover reflexões e questionamentos por meio do humor, além de atrair a atenção dos leitores, também traz muitos benefícios no que diz respeito à formação leitora. "Não é à toa que eu dediquei uma parte das minhas pesquisas acadêmicas a paródias de contos de fadas. Considerando que a paródia está a serviço do questionamento, da crítica, da reflexão, da contestação, promovendo tudo isso por um viés de humor, que, muitas vezes, desperta o interesse de diferentes leitores, trata-se de um importante recurso no desenvolvimento de competências leitoras".  Ela ressalta ainda que o contato com esse tipo de texto oferece a possibilidade de ampliação de repertório cultural das crianças, outro ingrediente essencial na formação leitora.

Paródia e paráfrase: uma confusão comum

Sendo tanto a paródia quanto a paráfrase duas figuras de linguagem que promovem intertextualidade e possuem textos originais em que se baseiam, é comum que exista uma certa confusão para defini-las. Segundo Camila, a paródia e a paráfrase se distinguem na medida em que a paródia é um meio de contestação das ideias do texto original, enquanto a paráfrase é uma confirmação dessas ideias. “Falar de paródia é falar de intertextualidade das diferenças, ao passo que falar de paráfrase é falar de intertextualidade das semelhanças. A paródia, então, é uma forma de contestar ou ridicularizar outros textos. Nela, há um choque de interpretação: a voz do texto original é retomada para transformar seu sentido e levar o leitor a uma reflexão crítica. Na paráfrase, por sua vez, as ideias do texto original são confirmadas no novo texto, em que sentidos são reafirmados" explica. Dessa forma, enquanto a paródia consiste na releitura cômica de um texto, subvertendo seu significado, a paráfrase traz as mesmas ideias do texto original, mas usando palavras diferentes.

Livros para apresentar paródias às crianças

Confira uma seleção de livros do nosso catálogo que trabalham com esse gênero textual, e que podem ser apresentados a leitores de diversas faixas etárias:


 A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho (Brinque-Book, 2008)

Capa de A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho
Então, você pensa que conhece a história da Chapeuzinho Vermelho? Às vezes, as coisas não são como parecem ser. Quando o Lobo escreve à Chapeuzinho Vermelho pedindo que o ensine a ser bom, ela fica eufórica. Mas, assim que o Lobo, agora bonzinho, torna-se uma celebridade, a menina ciumenta, decide fazer alguma coisa. Uma variedade de papéis e de novas texturas complementa esta divertida história.


Branco, Belo e Cinderelo (Companhia das Letrinhas, 2017)

Capa de Branco, Belo e Cinderelo
Nesta paródia obviamente inspirada em três contos clássicos, conhecemos Branco, Belo e Cinderelo, três príncipes que não aguentavam mais suas vidas pacatas no reino. O trabalho que sobrava para eles era sempre o mais entediante: costurar, cozinhar e cuidar do jardim, enquanto suas esposas tomavam grandes decisões sobre o futuro de seus impérios - soa familiar, só que ao contrário? Mas até parece que, de tanto reclamarem, certo dia seus resmungos foram ouvidos, e quem apareceu para trazer um pouco de aventura à vida dos príncipes foi um enorme e assustador dragão. Essa era a única chance que os três teriam de viver um pouco de emoção e - mais do que isso: ganhar o protagonismo com que sempre sonharam.


 Chapeuzinho redondo (Brinque-Book, 2012)

Capa de Chapeuzinho Redondo
Uma menina que usa um chapéu vermelho (ela mesma!) precisa visitar a sua vovozinha para levar uma cesta de comida, sendo proibida pela mãe de entrar na floresta por causa do Lobo mau... Mas Chapeuzinho Redondo não é exatamente a vítima dócil e indefesa que corre o risco de ser devorada. Ela é até um pouco atrevida. Já a Vovó é moderna e jovem. Será que o lobo, que não é tão feroz e malvado quanto se imagina, vai se dar bem neste divertido reconto?


Coleção Fábrica de Fábulas (Companhia das Letrinhas)

Capa de Branca de Neve e as sete versões
São atualmente oito títulos que trazem paródias de livros clássicos da literatura infantil, como A Branca de Neve. João e Maria, Os três porquinhos, João e o pé de feijão e A Bela Adormecida. Uma ótima opção para rir muito com as crianças e apresentá-las a leituras interativas, já que em alguns livros é o leitor que pode escolher os rumos da história.

LEIA MAIS: Quem tem medo dos contos de fadas?

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